Desafio 10/10

Todo dia 10 o Escrita Aberta lança um desafio literário, um exercicio ou tema para aguçar a criação literária de todos.
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Desafio de Outubro

O olhar infatil
Gênero: livre

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                                                     Divulgue!!


Leandro Calbente
Moonrise Kingdom de Wes Anderson (crítica cinematográfica)
O novo filme do diretor americano Wes Anderson, Moonrise Kingdom, é uma preciosa reflexão sobre a pureza de um amor infantil, capaz de desarticular toda a rigidez normatizada do mundo adulto. Para isso, a trama se passa numa pequena e isolada ilhada da Nova Inglaterra dos anos 1960. Os protagonistas do filme são duas crianças, Sam e Suzy. Ambos vivem marginalizados no pequeno mundo dos adultos, configurando aquilo que é comumente chamado de criança-probema. Ele é um escoteiro órfão e não se adapta bem ao ambiente familiar do seu lar adotivo, alem de ser discriminado e ignorado pelos demais escoteiros. Ela é a garota introspectiva e isolada, igualmente inapta para se relacionar com a família e taxada como a filha “com dificuldades de comportamento”. A sensação compartilhada por ambos de estranhamento com a norma social parece que funciona como uma poderosa conexão recíproca. Após um breve e fugaz encontro, cada um enxerga no outro a possibilidade de vivenciar uma experiência de descoberta do mundo a dois, como se pudessem compartilhar o fardo do estranhamento, desligando-se de um mundo que não lhes pertence. E essa possibilidade de abandonar o mundo das normas e das inadequações se materializa na fuga. Após um planejamento minucioso, Sam elabora uma espécie de viagem de descoberta, a qual seria realizada ao lado de Suzy. Essa experiência, porém, não é aceita pelos adultos da ilha, provocando uma longa perseguição contra aquelas crianças que simplesmente se recusam a viver dentro das normas. É assim que aquela aparente inadequação se revela muito mais como uma expressão de um olhar infantil ainda aberto para a inocência mágica do mundo, para a pureza de um mundo sem tantas normas. Encontramos, portanto, uma contraposição radical entre as ações das crianças e dos adultos. No fundo, são esses que se mostram incapazes de vivenciar qualquer tipo de relação diante do outro, de compartilhar uma experiência ou de existência a dois. O casamento falido dos pais de Suzy, a vida solitária do policial, ou mesmo a frieza do líder dos escoteiros, tudo revela uma espécie de vazio ou de ausência na maneira como os adultos encaram o mundo. Não existe possibilidade nenhuma de encontro, de descoberta do outro. Já a fuga do casal de crianças é repleta de momentos de verdadeiro encontro, da descoberta alegre e recíproca do outro que está diante de si. Como sinceros enamorados, o casal consegue enxergar toda a potência de uma estar-junto, como na linda cena da música na beira do rio. Existe uma espécie de mágica nesse momento, a mágica que advém da excepcionalidade, daquilo que consegue dobrar a anomia de uma existência cheia de regras e normas. Contra a apática existência dos adultos que os rodeiam, Sam e Suzy parecem dispostos a levar ao limite a possibilidade de estar-juntos, produzindo a mais radical recusa da norma: a deserção do mundo ordenado. Esse projeto, entretanto, acaba sendo abortado e é ai que o filme opera um movimento final, bastante sensível e belo. Ainda que incapazes de realizar a completa negação daquele mundo, as duas crianças se mostram capazes de realizar uma dobra sobre a própria norma. O estar-junto se revela uma potência poética capaz de criar e recriar novas maneiras de existência, como na incrível cena do casamento. Afinal, este é talvez o ritual mais exemplar dessa existência normatizada, mas que é completamente subvertido pelos dois. Por isso, essa relação infantil se mostra o mais intenso caminho para a (re)descoberta da alteridade do próprio mundo.


Tadeu Renato
Estou escrevendo, sem pressa, um livro infantil com contos baseadoa e mhistórias reais. Este abaixo é parte de um destes escritos:

É A LAMA, É A LAMA

Mário ficava espantado com tanto avião que vinha gritando entre os corredores de nuvens. O azul no céu era tão azul que provavelmente era feito de mar, pensava o menino, que nunca havia visto o mar, tão longe a água salgada estava dali. 
A base militar era sua vila, seu mundo era feito de continências, risos, gritos e principalmente aviões. O pai não era piloto, vivia mais embrenhando corredores de tijolos dos escritórios da base. Mas sempre que precisava, subia no avião rumo a São Paulo e só voltava depois de alguns dias. Mário se acostumou com as pausas do paii, até porque a mãe sempre ficava por perto. Fora os outros meninos que também moravam na vila de soldados, todos brincando até os limites da base, mas doidos para alargar as fronteiras mato adentro. 
Mato Grosso era - e a não ser que a maré suba até cobrir uma imensa parte do Brasil ou da América Latina como o menino desejava nos períodos de seca – um estado que nem sequer sentia as tormentas que os ventos do oceano podem causar. Para chegar ao mar era preciso muito tempo de viagem, tão distante que às vezes não parecia existir de verdade, mas apenas nas histórias contadas pelos mais velhos ou em invenções da televisão.
Os meninos levantavam a poeira vermelha do campo quando corriam embolados no futebol e Mário, goleiro de coragem, se jogava, ralava o joelho, xingava um pouco envergonhado e não fugia do sol. Mas bastava um rasante daquelas máquinas voadoras e toda atenção dele pegava carona nas asas das aeronaves. E tome gol no ângulo, por baixo das canelas e palavras feias dos outros jogadores para o distraído menino.

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No fim de ano o pai pousou todo um mês na vila e deu de presente um embornal de pano cheio de pincéis, tintas, lápis e um caderno. Era hora de o menino deixar a pequena escola da base militar, onde aprendera os desenhos das letras, e começar a frequência a escola para crianças maiores.
- Em outra vila, pai?
Não fosse só pela novidade da mudança, Mário ainda ganhava de surpresa a ideia de conhecer outros caminhos além do horizonte verde que cercava sua infância desde sempre. Escreveu seu nome na bolsa e contou os dias que decidiram ter muito mais horas do que as tardes de diversão. 
Onde é que ficava o amanhã? Já estaria pronto em algum lugar, apenas esperando que tudo que fosse hoje virasse ontem? Vez em quando Mário tinha pensamentos brincantes de quem olha periquitos em árvores secas e imagina serem folhas que voam. A mãe ria destas histórias, o pai achava bom tamanha invencionice, poderia ser um inventor, um dia, igual ao Santos Dumont. O menino tinha perguntas, curiosidades que ficavam ecoando nos olhos de descoberta. O que tinha depois da vila? E mais além? Onde ficava São Paulo? Como os aviões navegavam no céu e não atropelavam as ondas dos rádios? Um monte de mistérios que aconteciam sem ninguém saber o porquê. Talvez a nova escola soubesse tudo sobre tudo isso.
O primeiro dia de aula chegou depois de uma madrugada de chuva atrovoada. Acordou com o mesmo sono de outros acordares, mas logo que viu os outros meninos já correndo pela estrada de terra, sentiu o aperto do atraso, engoliu o leite, beijou a mãe, bateu continência ao pai (achava engraçado imitar a pompa dos soldados), se enfiou na capa amarela e andarilhou com vontade.
Quando a vila militar já sumia de sua vista, percebeu que estava mais longe do que jamais estivera de casa. Os meninos que saíram na frente também já sumiam nas curvas e Mário se viu sozinho no caminho de mato e terra. 
Apressou o passo, tomando cuidado para não escorregar nas pedras. A hora avançava e nada poderia atrapalhar sua velocidade. Nada de se distrair: Mário mantinha o ritmo ao som das galochas e nem aquela vaca marrom que olhava de canto, pastando folhas murchas, faria o menino diminuir o passeio. A estrada era irregular, mas nada tão assimétrico que confundisse o modo dos pés entenderem o pisar. 
O sol já começava a esquentar e seu reflexo em uma poça de lama ao lado de um bambual entrou no trajeto do menino. Mário sabia que era preciso se afastar, todavia as pernas não obedeceram, talvez pela ligeireza, ou porque um avião riscava por sobre sua cabeça. O menino, com muito espaço para desviar, não desviou: afundou toda a perna na lama. A vaca mugiu e o Mário correu mais ainda. Chegou à escola fantasiado de santo de barro. Para graça dos outros meninos.

Renata Cirilo
Passáros

A esperança chegou a Lia de forma poética: nas asas dos pássaros, nas linhas e contornos que deslizavam de suas mãos infantis; os olhos pequenos revelavam a descendência, os tsurus a compartilhavam. 

Passava os dias, sentada a beira da mesinha de centro da sala, os joelhos, brancos, vermelhos, o rosto sério, trabalho de gente grande!

Eles, os grandes, passavam desolados, doença rápida. 
E ela se concentrava mais: ah, revoada de 1000 pássaros que atendem a 1 desejo. 

Lia não sentiu o beijo de despedida do pai, faltavam ao menos 350; hoje, mulher, olha seus seiscentos e cinquentas tsurus, declarações orientais de amor.


Carla Lopes
A gente é pra aquilo que nasce ser... sempre me dizia meu pai. Meu pai...
Quando eu era menina, mal via meu pai. Ele ia e demorava pra voltar... mas sempre voltava no momento em que as coisas mais precisavam que ele estivesse lá. É como se sentisse a hora que devia chegar.
Mas naquele tempo, era eu e minha mãe. Eu mal me lembro dela, a bem dizer. Deve ser porque ela parecia que só existia quando meu pai chegava.
A maior parte do tempo ela ficava em silêncio dentro de casa e eu gostava era de ficar no quintal vendo as formigas carregando as coisas pra dentro dos buracos da parede, e pensava: Como pode uma coisa tão pequena carregar um peso tão grande nas costas?
Também gostava de ver as outras crianças brincando na rua...os meninos que faziam de conta que eram super heróis e se batiam pra ver quem era o mais forte.
Eu pensava: um dia também vou! Mas eles não deixavam, porque super herói é homem, e eu era menina, e menina só sabia chorar e chamar a mãe...eles diziam...
Mas se a formiga conseguia ser forte, mesmo sendo pequena, porque eu também não podia ser forte sendo menina?
Ouvi um grito, era minha mãe de dentro de casa, tentando juntar o que podia. De repente, todo mundo tava correndo de um lado pro outro gritando, chorando.
Era um barulho tão alto que vinha, que eu nem sabia que existia coisa assim.
Uma pancada que quase derrubou a porta e do lado de fora alguém dizia: Sai por bem ou sai por mal!
Minha mãe me olhou apavorada e disse: Vai lá pra fora, fica abaixada bem quietinha no seu esconderijo! Não deixa ninguém te ver! Só sai quando ver o seu pai! Vai!
Eu corri pra detrás da casa. No fundo do quintal tinha uma árvore. Lá detrás eu podia ver quem vinha, mas ninguém podia me ver, e foi de lá que eu vi...a casa começando a pegar fogo...na porta, caída, a mão da minha mãe que tentava se arrastar pra fora...Eu ia correr pra lá pra ajudar ela a sair... mas o telhado caiu... E eu não vi mais nada. Quando meu pai e meu padrinho chegaram pra me buscar eu fui até o quintal. Meu pai veio atrás de mim e perguntou:
- Filha? Tá matando as formigas?
- Tô. Porque elas são fracas. Ninguem vê elas no chão...pisam nelas e elas não tem nenhuma chance... E ai, ele me disse um coisa que eu nunca mais ia esquecer:
- É verdade. Uma formiga sozinha no chão não tem nenhuma chance...mas você se lembra daquela vez que as baratas estavam se espalhando por toda a cozinha da sua mãe, lembra que você chamou as formigas e elas se juntaram aos montes e durante a noite atacaram as baratas de surpresa... E as baratas voltaram filha? Não. Elas nunca mais voltaram. Por isso, se você matar estas formigas por que acha que são fracas, não vai deixar que elas cheguem onde tem que chegar, pra se juntar com as outras que esperam por elas, pra fazerem o que devem fazer...juntas...
Pra onde a gente vai? Hein, Padrinho? Pra onde a gente vai pai?
- Pra onde esperam por nós filha.
Nem sei por quantos lugares a gente passou: eu, meu pai e meu padrinho... Mas foram muitos...muitas pessoas...pouco pra comer, pouco pra beber, pra vestir...pra viver. Cada lugar que a gente achava que podia ficar, de repente tinha que ir.
Fora! Fora daqui! Aqui não! Vai pra outro lugar! Cambada de vagabundo! Só tem gente que não presta ai no meio. Desgraçados que acabam com o lugar, esse monte de lixo! Lixo?
Por quê?
Tantas vezes eu me perguntei porque odio, tanto nojo, tanto desprezo contra a gente até perceber que só tinha uma pessoa que podia me responder tudo isso. 
Era eu mesma.
Não!A gente não é lixo! E vamos ser o tipo de gente que tiver que ser pra não servir de lixo pra ninguém!
Sem historinhas de princesas pra dormir, meu pai dizia: Aprende a se defender! Se te atacarem, revida! Você não é qualquer uma que podem fazer o que quiserem!
E assim eu cresci, num mundo onde o sonho só valia à pena se pudesse se tornar uma realidade... pra todos.

4 comentários:

Leandro Calbente disse...
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Tadeu Renato disse...
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Tadeu Renato disse...
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Renata Cirilo disse...
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